Gari dançarino conta história e aprovação no concurso Comlurb

Em entrevista à Folha Dirigida, Valdo Luís, o gari dançarino que viralizou nas redes sociais, conta sua história e os desafios da profissão

Autor:
Publicado em:08/10/2020 às 13:38
Atualizado em:08/10/2020 às 13:38

Leveza e alegria. Essas virtudes definem o gari Valdo Luís Marques, de 53 anos, que viralizou nas redes sociais ao dançar enquanto varria as ruas do Rio de Janeiro.

Anônimos e famosos compartilharam o vídeo na internet, elogiando o gari dançarino, que foi aprovado no concurso Comlurb há 18 anos.

+Quer estudar para o concurso Comlurb? Clique aqui e comece já!

Em entrevista à Folha Dirigida Valdo Luís contou que não imaginava tamanha repercussão. Para ele, era um dia comum de trabalho.

Porém, ao ver que um saxofonista tocava a canção 'Flor de Lis', de Djavan, resolveu arriscar passos de dança com sua companheira de jornada: a vassoura. 

"Eu não esperava, foi totalmente despretensiosa essa situação. Eu estava cumprindo minha função diária, quando me deparei com alguém tocando um sax maravilhoso e eu varrendo. Caí no embalo da 'Flor de Lis'", contou.

Valdo Luís lembrou que escolheu ser gari no ano de 2000, quando se inscreveu no concurso Comlurb. Para ele, o que mais encanta nessa profissão é o trabalho com o público. Além da garantia de um emprego fixo. 

"É acordar e saber que vai ter seu emprego direto. O lixo para mim é igual a onda no mar. É diferente todos os dias. Folhas, areias, resíduos sólidos que as pessoas insistem em jogar no chão. Mas, o gari quando tem oportunidade de abordar essas pessoas, tem o discernimento de falar para elas colocarem o lixo no seu devido lugar", relatou.

+Presidente da Comlurb quer novo edital para garis!

Valdo Luís viralizou nas redes sociais ao trabalhar com bom humor e dançar enquanto varria as ruas do Rio de Janeiro.
Vídeo de Valdo Luís dançando enquanto varria as ruas do Rio de Janeiro
viralizou na internet (Foto: Arquivo Pessoal)

Apesar de trabalhar como vigilante, segurança e garçom nas horas vagas, Valdo afirmou que não deixaria de ser gari. 

"Sou gari e bato no peito. Entro de uniforme em restaurantes, em repartições. Minha roupa está limpa, não está suja, não é vergonha. Eu conheço meus direitos", afirmou Valdo Luís.

'Se você não estudar, você não se torna um dos nossos'

Valdo Luís afirmou que o maior desafio da profissão de gari é o preconceito.

"É a invisibilidade da profissão. As pessoas, às vezes, passam pela gente e não dão bom dia, boa tarde. Mas, a gente já sai de casa com o sorriso no rosto. A gente fica no sol, trabalhando, rindo e cheio de energia, com responsabilidade, bom senso e sabendo cumprir a função".

Para ele, é muito fácil ironizar a carreira de gari, porém, muitas pessoas não sabem a dificuldade para entrar na profissão. Na Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro, por exemplo, é preciso ser aprovado em concurso púbico. 

"Hoje se você não estudar, você não se torna um dos nossos. O gari também é cultura", constatou Valdo.

Para ser um gari da Comlurb é preciso ter concluído o ensino fundamental até o 5º ano (antiga 4ª série primária). Com o reajuste de 4,7% anunciado, a remuneração desses profissionais deve subir para R$2.795,02.

O concurso, atualmente, é constituído por provas objetivas e teste de aptidão física (TAF). Na época em que Valdo Luís se inscreveu, no entanto, foi cobrada apenas a prova física. 

"Tem que treinar muito, o teste tem corrida sinuosa, flexão e outros exercícios", disse o gari, que só conseguiu a vaga na segunda tentativa no concurso Comlurb. 

Confira a entrevista:

Garis da Comlurb podem atuar em diferentes áreas

Engana-se quem pensa que os garis atuam somente varrendo as ruas da cidade. No Rio de Janeiro, eles podem atuar na poda, na capina, na coleta de lixo no caminhão. Existe até gari alpinista, que realiza a limpeza nas encostas. 

Valdo Luís contou à Folha Dirigida que, após a aprovação no concurso, os garis recebem treinamento sobre as diferentes áreas em que podem atuar. 

"Essa empresa tem um leque de funções. Tem o gari de rapel, o gari da poda e que se destacam. Não é só varrer rua não. É uma função de suma importância para o planeta", explicou.

Hoje, Valdo atua na varrição no Centro do Rio de Janeiro. Mas, ele já trabalhou na coleta de lixo no caminhão. "A coleta te dá todo o preparo, apesar de ser mais árdua. A galera rala bastante". 

Durante a pandemia do Coronavírus, os garis passaram a trabalhar com os equipamentos de segurança, como máscaras e luvas. A empresa também disponibiliza álcool em gel para os funcionários. 

Dedicação é fundamental para aprovação no concurso Comlurb

De acordo com Valdo Luís, é preciso de dedicação para aprovação no concurso Comlurb. Ele deixou a seguinte mensagem a todos que desejam ingressar na carreira de gari:

"Estude, se dedique aos estudos, que você conseguirá vestir essa farda. Mas se você não focar, não estudar, não se preparar, você não se tornará um dos nossos. Peça auxílio para quem já está estudando. Se prepare fisicamente, se precisar de ajuda, pode me procurar", concluiu.  

O presidente da Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro, Paulo Mangueira, confirmou a expectativa pelo novo concurso Comlurb para garis.

Em entrevista à Folha Dirigida, ele explicou que publicação do edital depende da liberação de orçamento. Isso porque o município está no limite de gastos com pessoal.

“A Comlurb tem as expectativas para implementar o concurso dos garis, porém dependente quanto ao ajuste do Limite Prudencial. Assim que a Companhia tiver informações mais consistentes, as tornarão públicas”, revelou o presidente.

Confira entrevista na íntegra com o gari dançarino

Folha Dirigida: Gostaríamos de saber como está a vida de famoso! Já foi reconhecido na rua? As pessoas já te reconheceram?

Valdo Luís: Eu não esperava, foi totalmente despretensiosa essa situação. Eu estava cumprindo minha função diária, quando me deparei com essa situação. A alguns metros na minha frente, alguém tocando um sax maravilhoso e eu varrendo. Mas, despretensiosamente, caí no embalo da “Flor de Lis”.

Estava aquele sol humilde de 42º. Mas, a minha função exige isso. Os intemperes da natureza fazem parte da nossa vida. O gari está aí para isso. Mas eu me imagino no sol de Búzios, de Maricá. Na chuva, eu me sinto na Argentina. Devidamente protegido.

FD: Qual segredo para trabalhar com leveza e alegria?

VL: Faça sua função com alegria, independente de seus problemas. Se você focar e acreditar, tudo vai dar certo. Leve sua vida com simplicidade, olhe para o próximo.

Vamos respeitar as profissões, por mais simples que elas sejam. São dignas. É por isso que a gente tem que sentir orgulho do que faz, sem baixar a cabeça.

Não é só varrer rua não. É uma função de suma importância para o planeta. Não olhe para o pessoal com desdém.

FD: Você está na Comlurb há 18 anos. O que mais te encanta na carreira de gari?

VL: Trabalhar com público. É acordar e saber que vai ter seu emprego direto. O lixo para mim é igual a onda no mar. É diferente todos os dias. Folhas, areias, resíduos sólidos que as pessoas insistem em jogar no chão.

Mas, o gari quando tem oportunidade de abordar essas pessoas, tem o discernimento de falar para elas colocarem o lixo no seu devido lugar. Elas reconhecem, admitem que erraram. O número de lixeiras não determina a educação de um povo.

O gari não é só varrição. O cara está com dúvida de uma rua, pergunta ao gari. A gente está sempre disponível a ajudar.

FD: Já trabalhou em outras áreas além de varrição? 

VL: Coleta sim. Ela te dá todo o preparo, apesar de ser mais árdua. A galera rala bastante. Essa empresa tem um leque de funções. Tem o gari de rapel, o gari da poda e que se destacam.

Depois de aprovado no concurso, tem o curso que apresentam as áreas em que o gari pode trabalhar.

FD: Quais são os maiores desafios da profissão de gari?

VL: É o preconceito, a invisibilidade da profissão. As pessoas, às vezes, passam por você e não dão bom dia, boa tarde. Mas, a gente já sai de casa com o sorriso no rosto. A gente fica no sol, trabalhando, rindo e cheio de energia, com responsabilidade, bom senso e sabendo cumprir sua função. Gentileza gera gentileza.

Hoje se você não estudar, você não se torna um dos nossos. O gari também é cultura.

FD: Hoje você se vê em outra profissão?

VL: Não. Sou gari e bato no peito. Entro de uniforme em restaurantes, em repartições. Minha roupa está limps, não está suja, não é vergonha. Eu conheço meus direitos.

FD: Como foi o processo de preparação para o concurso da Comlurb? 

VL: Tentei duas vezes e não fui aprovado na primeira. Tive que me preparar mais. Depois, me preparei e consegui a vaga. Eu não fiquei entre os primeiros colocados, foram chamados quase 5 mil garis. Até que fui convocado. Aí foi só alegria.

FD: Que dica de preparação você pode dar a quem deseja ser um gari da Comlurb?

VL: Sempre procurei ler muito e estar antenado nas disciplinas. Além da objetiva, tem a prova física. Tem que treinar muito, tem corrida sinuosa, flexão. É índice de atleta.

FD: Além de gari e dançarino, Valdo também pratica atletismo. Como você descobriu a paixão pelo atletismo? Você já estava na Comlurb?

VL: Não estava, mas depois foi aumentando a vontade. Sou atleta amador. Primeiro, procurei um médico e ele me deu todo suporte. Hoje, estou correndo 21 km, duas vezes por semana. Hoje, quando saio do trabalho, já levo minha roupinha, meu tênis, e começo a correr. Eu descanso correndo. Quando vou ver, são seis bairros que eu ultrapassei.

FD: Qual mensagem deixa para todos aqueles que querem prestar um novo concurso para Comlurb?

VL: Foco, porque você está entrando para uma empresa reconhecida mundialmente. Estude, se dedique aos estudos, que você conseguirá vestir essa farda. Mas se você não focar, não estudar, não se preparar, você não se tornará um dos nossos. Peça auxílio para quem já está estudando. Se prepare fisicamente também, se precisar de ajuda, pode me procurar.

Sumário